
Teus olhos
Florbela Espanca
Olhos do meu Amor. Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.
Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d'Além-Mundos ignorados.
Olhos do meu Amor! Fontes. cisternas.
Enigmáticas campas medievais
Jardins de Espanha, catedrais eternas
Berço vindo do Céu à minha porta
Ó meu leito de núpcias irreais
Meu sumptuoso túmulo de morta
Lágrimas ocultas
Florbela Espanca
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida.
E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida
E fico, pensativa, olhando o vago.
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim.
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma
Ninguém as vê cair dentro de mim
Se tu viesses ver-me.
Florbela Espanca
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços.
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca. o eco dos teus passos.
O teu riso de fonte. os teus abraços.
Os teus beijos. a tua mão na minha.
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca.
Quando os olhos se me cerram de desejo.
E os meus braços se estendem para ti.
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